O Ministério
do Turismo lançou, nesta semana, o site “Guia Turismo Acessível”, uma
ferramenta eletrônica que permite ao turista cadastrar e avaliar restaurantes,
estabelecimentos e atrações turísticas conforme seu nível de acessibilidade (www.turismoacessivel.gov.br).
Mas eu também quero me dedicar a este tema.
A grande maioria dos hotéis brasileiros se preocupa com ações
de sustentabilidade, mas não investe na acessibilidade para receber hóspedes
com deficiência, o que poderia representar um grande diferencial competitivo e
um grande reforço de marca e imagem.
Algum tempo atrás, um bom colchão e um bom chuveiro eram
grandes diferenciais para atrair e fidelizar os hóspedes num hotel. Com o
passar do tempo e as evoluções tecnológicas, a TV em cores passou a merecer
destaque com chamada até mesmo nas fachadas de alguns hotéis, o que é ainda
muito comum em muitas pequenas cidades do interior.
Com a concorrência acirrada do setor em razão da grande
abertura econômica iniciada na década de 90 e que atraiu as grandes redes
internacionais, muitos hotéis passaram a adotar outros atrativos para se manter
competitivos no mercado. A começar pela qualificação da mão-de-obra, o
acompanhamento da evolução tecnológica para reduzir custos operacionais e a
melhoria da qualidade dos serviços prestados. As velhas chaves dos apartamentos
do tipo “porta de cadeia” foram aposentadas, assim como o famigerado cofre
“boca de lobo”, para dar lugar à modernidade dos cofres e fechaduras
eletrônicas que formaram uma união perfeita com economizadores de energia,
sensores de presença em áreas externas, TVs de LCD e ou LEDs, wi-fi (internet
sem fio), check-in eletrônico, entre outras modernidades.
Assim caminha a hotelaria. Mas como no Brasil nada se cria e
tudo se copia, não demorou muito para que essa tendência passasse a ser uma
exigência de mercado, até mesmo por questão de sobrevivência do negócio. Então,
os estrategistas de vendas e marqueteiros de plantão dos hotéis passaram a
pensar em alguns diferenciais e mimos para atrair os hóspedes e mostrar que seu
hotel não era igual a todos.
Pegando carona na onda ecológica e poupando recursos na
lavagem do enxoval, os hotéis passaram a adotar a conscientização ambiental
junto aos hóspedes. Muitos conseguiram certificações e ISOs ou mesmo adotaram
projetos de responsabilidade social. Com um bom incremento nos serviços e uma
reforma em alguns apartamentos, estava encaminhada a situação e o hotel,
preparado para agradar tantos os “gregos” como os “troianos”.
Mas há um detalhe que a maioria dos hotéis esquece, que
aparentemente pode parecer bobo, mas que faz a diferença na vida de milhões de
pessoas - E este degrau aí?
Público potencial desprezado
O último censo do IBGE demonstrou que 24 % de nossa população
são pessoas com deficiência, ou seja, a cada 4 pessoas, 1 tem deficiência.
Podemos estratificar uma parcela destes 24 % considerando apenas o público
cadeirante e chegamos à cifra de
cerca
de 6 milhões de pessoas. É um número muito considerável e em sua grande maioria
formada pela “guerra do trânsito ou violência urbana das grandes cidades” que
incapacita milhares todos os anos. A pergunta que fica é: o que os hotéis no
Brasil estão fazendo para melhorar a acessibilidade desse público, que em
muitos casos dispõe de uma ótima renda, com boa cultura, dispõe de tempo e que
tem hábitos de viagens. Um público dessa ordem representa uma parcela
significativa de hóspedes. Por que não atendê-los? O hotel só tem a ganhar.
Aumenta sua taxa de ocupação, amplia seu marketing, seduz público adjacente e
aumenta sua renda. Onde estão os estrategistas comerciais e os marqueteiros de
plantão nos hotéis que ainda não pensaram nisto? Se eles se vangloriam dos
serviços prestados pelo seu hotel, deveriam fazer um teste bem simples. Sentem
numa cadeira de rodas e procurem se locomover em todos os ambientes para ver
quantos degraus fazem a diferença ou, simplesmente, se é viável o acesso a um banheiro.
Certamente, depois deste teste, eles iriam rever radicalmente os conceitos de
bons serviços.
A maioria absoluta dos hotéis
brasileiros ainda não se conscientizou da importância que é adequar o
empreendimento para atender a esse público, seja ele cadeirante, deficiente
visual, auditivo, ou mesmo uma pessoa com problema de locomoção na terceira
idade. Para atender à legislação e tentar agradar aos hóspedes, uma pequena
minoria dos hotéis reserva uma parte do número de apartamentos para deficientes,
colocam algumas barras de apoio no banheiro e acreditam que o problema está
resolvido. Uma unidade habitacional não fica acessível e dentro da lei por ter
um banheiro adaptado apenas. Outras condições são necessárias. Um alarme de
emergência nos banheiros se faz tão importante quanto uma boa barra de apoio.
Na Europa, por exemplo, todos os banheiros têm alarme, independentemente de
serem apropriados para deficientes ou não. Da mesma forma, um mapa de rota de
fuga em caso de emergência deve ser aplicado e deve ser um mapa acessível a
todos os tipos de público como idosos, deficientes visuais, cadeirantes etc.
Ainda, da mesma forma, as portas das unidades habitacionais devem ser
identificadas com placas com leituras em relevo e Braille.
Independentemente dessas
regras, a hotelaria deve-se lembrar das demais exigências normativas das
edificações como rampas, elevadores, plataformas, balcões, entre outros. Não
adianta um hotel ter uma piscina linda e maravilhosa, um restaurante de
culinária com padrão internacional ou várias áreas comuns com muito
entretenimento, mas que impedem a acessibilidade de uma pessoa com deficiência.
A hotelaria deve incorporar os requisitos de acessibilidade para que todos
possam frequentar o mesmo espaço, com dignidade e tranquilidade. Deve-se
salientar ainda a importância de que todos os produtos, equipamentos, ambientes
e meios de comunicação sejam concebidos sobre o ponto de vista do Desenho
Universal, que recomenda que tudo deve ser utilizado por todos, o maior tempo
possível, sem necessidade de adaptação, beneficiando pessoas de todas as idades
e capacidades e propiciando, consequentemente, uma vida independente.
Não
se fala aqui em ousadia ou coragem. Fala-se aqui de compromisso social, de
inteligência, de obediência à lei e de investimento. Falta atitude e visão de
longo prazo ao setor hoteleiro, falta capacidade ao Estado na fiscalização e
falta cobrança por parte da sociedade.
Será que os milhares de atletas
paraolímpicos que virão para o Brasil em 2016 gostarão da infraestrutura e dos
serviços prestados pelos hotéis? A Copa está aí, um turista estrangeiro, em
cadeira de rodas, não terá o direito de se hospedar num hotel, com dignidade?
São oportunidades únicas e de
extensa visão empresarial. O hotel que se encaixar nas normas de acessibilidade
dará um grandioso passo na frente da concorrência e certamente poderá estampar
isto em seus panfletos promocionais, dispondo, ainda, de uma eficiente mensagem
de marketing para alavancar as vendas.
Boa viagem.
Açucena Calixto Bonanato