Ilmo Sr. Hélio
Carlos,
Meu nome é Açucena
e milito em processos de inclusão, desde 1989, antes da Lei de Cotas e antes de
se falar em conviver com estas pessoas.
Presido uma OSCIP
– Instituto Pró-Cidadania, que, ao longo de 24 anos de trabalho, já inseriu no
mercado mais de 25.000 pessoas e capacitou profissionalmente mais de 23.000,
sem verba pública. Nunca recebemos um centavo de órgãos públicos e não
queremos. Só queremos a preservação dos direitos deles.
Não temos vínculos
políticos, religiosos, ou outros quaisquer. Temos somente orgulho do trabalho
que realizamos.
As pessoas com
deficiência viveram centenas de anos à margem da sociedade. Com o advindo da
Lei de Cotas, 8.213/91 e o Decreto que a regulamentou 3.298/99 e posteriormente
com o Decreto mais completo 5.296/04, a vida destas pessoas começou a mudar.
Temos a melhor e
mais completa lei de inclusão social, para estas pessoas, do mundo todo.
Reconhecida internacionalmente.
No entanto, estes
2 Projetos de Lei que tramitam hoje no Senado, e que o senhor é o relator dos
2, ferem substancialmente os direitos conquistados das pessoas com deficiência.
Um deles é PL 112, do Senador José Sarney que, dentre outras medidas, reduz a
cota reserva da lei de 5% para 3%; legaliza a terceirização das pessoas com
deficiência, como cumprimento da cota; e legaliza a transferência das verbas
para contratação de pessoas com deficiência, para programas de capacitação
profissional, também como cumprimento da cota.
Além deste PL, tem
outro do Senador Benedito Lira que transfere a verba de contratação das pessoas
com deficiência, simplesmente como contribuição para o FAT.
Prezado senhor,
tudo o que os empresários querem é não conviver com as pessoas com deficiência,
até porque ninguém quer conviver com o que é feio, deformado, que requer
adaptações de espaço físico, ou um esforço para se comunicar. Conviver com a
pessoa com deficiência requer sair da zona de conforto e, claro, ninguém gosta
disto.
Terceirizar esta
mão de obra é menosprezar a capacidade deles. A terceirização de serviços
sempre se dá nas atividades braçais, como limpeza, segurança, copa, cozinha e
outras. Então eu pergunto, por que não podem ser engenheiros, técnicos,
advogados, médicos, diretores de RH, de Finanças e outros cargos? Porque a população,
bem como o senhor, não acredita que estas pessoas possam trabalhar em cargos de
liderança. Ainda hoje há um ranço predominante que estas pessoas tem que viver
à margem da sociedade, amparadas como coitadinhos pelo Estado. Eles só querem o
direito ao trabalho e convívio com as demais pessoas. É pedir muito?
O famoso FAT até
hoje não fez nada por eles e a reserva de verba para qualificação profissional
já existe, mas não é aplicada ao seu propósito. Todos sabem disto. Vamos
compactuar com mais desvios de verba e sofrimento para uma população tão
necessitada?
Os políticos
esquecem que esta população vota, tem família e que, segundo o IBGE, cada
pessoa influencia mais 4. Já pensaram nisto?
Trabalhamos no
Brasil inteiro e o pior estado da união em processos de inclusão é o Maranhão.
Ao invés do Senador Sarney reduzir a cota e o senhor compactuar com isto,
porque não faz cumprir a lei vigente no estado onde tem domínio?
Se não bastasse, o
senhor fez algumas emendas, uma delas desastrosa, onde aplica a cota pelo grau de
risco das empresas, nas proporções de 0,5% para o grau de risco 4 à 3% para o
grau de risco 1. Sabidamente as grandes corporações, com maior número de
empregados e maior possibilidade de contratação de pessoas com deficiência,
encontram-se no grau de risco 4 e passarão a ter a cota de 0,5%, ao invés de
5%, que ainda podem ser revertidas para o FAT. É o desastre total e absoluto.
Falar que o
trabalho é perigoso para eles, é assumir que é perigoso para qualquer pessoa. É
ridículo afirmar que eles não podem trabalhar em grau de risco 4, porque os
expõe. Depende da deficiência e o grau da deficiência. Quanto o senhor conhece
realmente sobre esta população? Quanto conhece sobre a capacidade laboral
destas pessoas?
Só no ano passado,
incluímos em empresas de construção civil pesada mais de 1.000 pessoas e, até
onde sei, nenhuma delas sofreu acidente e seus gestores estão muito satisfeitos
com o trabalho. Basta saber como fazer.
As pessoas com
deficiência querem trabalhar, querem ter responsabilidades, estar juntas de
outras pessoas e não voltar ao confinamento e à exclusão. Outrossim, as verbas
do FAT não sustentam estas pessoas, que na maioria das vezes é arrimo de
família.
Posso encaminhar
milhares de depoimentos, de como a inserção no mundo do trabalho mudou suas
vidas e de suas famílias.
No Ano Iberoamericano, 2013,
declarado para inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, o Brasil premia estas pessoas com a exclusão?
O senhor já avaliou que as empresas, após a promulgação destas funestas
leis, mandarão as pessoas com deficiência embora? Com a redução da cota, as
empresas terão excedente em seu quadro laboral, afinal, na maioria delas, a
cota passará de 5% para 0,5% somente.
Temos no Brasil, aproximadamente, 45 milhões de pessoas com deficiência.
Destes, 22 milhões com potencial para o trabalho e só3 milhões com carteira
assinada. Ao invés de ampliarmos a cota, para absorver estas pessoas, o senado
quer reduzir? Existe uma infinidade de deficiências ainda não contempladas pela
Lei de Cotas e, portanto, muita gente ainda à margem da sociedade produtiva.
Só no ano passado, o IPC – Instituto Pró-Cidadania colocou mais de 3.000
pessoas no trabalho, o que prova que são capazes. Somamos ao longo do tempo
mais de 25.000 pessoas incluídas em mercado formal de trabalho. Muito? Não,
nada, se pensarmos que ainda 22 milhões esperam por um emprego.
Não deixe o Brasil
retroceder ao imperialismo. Não exile novamente esta população.
Espero ter orgulho
dos nossos representantes.
Cordialmente,
Açucena
Calixto Bonanato